Plantar cannabis para consumo pessoal é crime?

Sim! A Lei de Drogas (Lei n.º 11.343/2006) ainda prevê penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e obrigação de comparecimento em programas educativos “antidrogas” para quem semear, cultivar ou colher plantas que se destinem à produção de pequena quantidade de substâncias ilícitas para o próprio consumo.

Essa proibição se encontra no parágrafo primeiro do art. 28 da Lei de Drogas.

Por “semear”, se entende o ato de plantar as sementes de uma planta que gere frutos que possam causar dependência física ou química (podemos usar de exemplo a planta cannabis, que gera o fruto popularmente conhecido como maconha), ou que sejam matérias-primas para a fabricação de outras substâncias ilícitas (como é o caso da planta coca, em que das suas folhas são extraídas a cocaína por meio de processos químicos).

Por “cultivar”, se entende o ato de promover o desenvolvimento das sementes, cuidar da planta por meio da rega, adubação e poda, entre outros.

Por “colher”, se entende o ato de recolher os frutos ou a matéria-prima da planta.

Ainda que as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e obrigação de comparecimento em programas educativos pareçam leves, elas podem ser impostas pelo prazo de até 5 meses! E em casos de reincidência, esse prazo é elevado para 10 meses.

A recusa injustificada do cumprimento dessas penas pode, ainda, acarretar em pena de multa, que vai de R$ 1.464,00 a R$ 330.000,00 (tendo por base o salário mínimo vigente de 2021, de R$ 1.100,00).

IMPORTANTE

A Lei de Drogas não define o que nem quanto representa uma pequena quantidade de substância ilícita destinada ao consumo pessoal.

Esse poder de definição é dado totalmente aos juízes, por força do parágrafo segundo do art. 28.

Serão eles que decidirão se a pessoa pega com drogas será considerada usuária ou traficante.

Para isso, os juízes deverão analisar, em conjunto, 1) a natureza da droga, 2) a quantidade apreendida, 3) o local e as condições de como se desenvolveram a situação, 4) as circunstâncias sociais e pessoais da pessoa, 5) a conduta e também os eventuais 6) antecedentes.

O grande problema está no fato de que todas essas análises são de caráter altamente subjetivo, sendo passíveis de valorações preconceituosas, racistas, classistas, etc. – que ainda são bastante comuns na prática forense.

É possível que a mesma apreensão de 10 g de maconha possa ser considerada uma quantia destinada ao consumo pessoal para um usuário de classe média enquanto seja considerado um ato de traficância para um usuário da periferia.

Portanto, para as vítimas política e estruturalmente selecionadas que o Sistema Penal direciona toda a sua atuação repressiva – negros, jovens, de baixa escolaridade, residentes nas periferias dos grandes centros urbanos – todo cuidado é pouco! Principalmente nessa escalada punitivista da sociedade que também afeta todo o Poder Judiciário.

Plantar cannabis para o consumo pessoal continua sendo uma conduta proibida pela legislação brasileira, e há ainda um grande risco de uma pequena produção ser considerada como um ato preparatório de traficância, nos termos do inciso II do parágrafo primeiro do artigo 33 da Lei de Drogas – tema que futuramente também será abordado.

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Luís Eduardo Alves de Loiola é advogado criminalista, especialista em Direito Penal e Processo Penal, bacharelando em Criminologia (UNICURITIBA), pós-graduando em Ética e Direitos Humanos (FAVI) e pesquisador nas áreas de Criminologia (crítica) Latinoamericana e Violência Policial.

O básico do que você precisa saber sobre o porte de drogas para consumo pessoal (art. 28, Lei n.º 11.343/06)

A Lei de Drogas (Lei n.º 11.343/2006), ao contrário do que muitos ainda pensam, não descriminalizou o uso da maconha nem de qualquer outra espécie de substância ilícita, assim definida pela ANVISA pela Portaria n.º 344.

O art. 28 da lei ainda prevê as seguintes penas para quem “adquirir”, “guardar”, “estocar”, “transportar” ou “levar consigo” substâncias ilícitas para consumo pessoal:

  1. advertência sobre os efeitos das drogas;
  2. prestação de serviços à comunidade; e
  3. medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Por “adquirir”, se entende o ato de comprar a substância ilícita.

Por “guardar”, se entende o ato de colocar a substância ilícita em algum local com a finalidade de preservá-la, conservá-la para um uso futuro.

Por “ter em depósito” (estocar), se entende o ato de conservar uma determinada quantia que estará à disposição do usuário.

Por “transportar”, se entende o ato de levar a substância ilícita de uma localidade até a outra. E nesse caso, não importa se a substância ilícita esteja no bolso da calça do usuário ou na mala de viagem que ele deixou no bagageiro do ônibus de viagem. Em ambas as situações a conduta de ‘transportar’ será considerada como tal.

Por “levar consigo”, se entende o porte em si mesmo. É a atitude de simplesmente carregar a substância ilícita.

Ainda que as penas pareçam leves, elas podem ser impostas pelo prazo de até 5 meses! E em casos de reincidência, esse prazo é elevado para até 10 meses.

A recusa injustificada do cumprimento das penas impostas poderá acarretar pena de multa que vai de R$ 1.464,00 a R$ 330.000,00 (tendo por base o salário mínimo vigente de 2021, de R$ 1.100,00)!

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Perguntas FREQUENTES sobre o tema

Pergunta: “Nas condutas do art. 28 não há a previsão do ato de usar/consumir, isso quer dizer que usar/consumir substâncias ilícitas não é um crime?”

Resposta: Exato! Consumir substâncias ilícitas não é considerado crime pela Lei de Drogas.

Pergunta: “Se eu compro, guardo no bolso e carrego até a minha casa, cometo três vezes o crime do art. 28?”

Resposta: Não! Ainda que o art. 28 criminalize 5 condutas diferentes, ele é considerado um crime único e permanente. Deste modo, não importa quantas vezes ou quantas condutas você tenha praticado, se indiciado, responderá como se houvesse violado apenas uma vez a lei.

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Luís Eduardo Alves de Loiola é advogado criminalista, especialista em Direito Penal e Processo Penal, bacharelando em Criminologia (UNICURITIBA), pós-graduando em Ética e Direitos Humanos (FAVI) e pesquisador nas áreas de Criminologia (crítica) Latinoamericana e Violência Policial.

Para que serve o Direito Penal?

Ao se perguntar a qualquer brasileiro “para que serve o Direito Penal?”, a resposta pronta, no atual senário político do país, certamente seria “para proteger bandidos”. Porém, sabemos que estes “bandidos” a que se refere na resposta, os “ladrões de galinha”, não possuem articulação política alguma para criar leis neste sentido.

Em todo o caso, essa suposição é equivocada. O direito penal não serve para “proteger bandidos” e também não é uma lei.

O direto penal é, em verdade, um conhecimento específico, um saber limitado, com determinados objetivos.

Entre estes objetivos está a legitimação do poder punitivo do Estado.

Entre algumas outras várias funções do direito penal, defendidas por muitos autores, está a atribuição de frear este poder; pois sem esta contenção, o poder punitivo estatal seria ilimitado.

A grande missão do direito penal e de seus operadores (advogados, promotores, juízes, etc.), portanto, é conter o próprio Estado dentro de um de seus elementos constitutivos mais significativos.

Quem decide o que é crime?

O Brasil, em 2017, estava muito próximo de atingir a terrível cifra de 200 mil leis! Por mais absurdo que pareça, ainda assim, não podemos descumprir uma lei alegando o desconhecimento dela. Mas fiquem tranquilos, é humanamente impossível a investigação de tanta coisa.

Por esta razão, mesmo com tantas leis que criminalizam condutas diferentes, as pessoas que costumam ser pegas, sempre são presas pelos mesmos tipos de crime: furto, roubo, tráfico de drogas e homicídio.

Mas há alguma razão para isso? A resposta é sim!

Depois que o Estado cria um “novo crime”, cabe à polícia “decidir” onde irá atuar em razão da pequena capacidade operacional que possui (em 2017 havia, em média, 1 policial para cada 473 brasileiros).

A polícia, porém, não decide sozinha quais serão as vítimas do poder punitivo. O sistema penal brasileiro traduz os preconceitos de raça, classe e gênero, entre outros, próprios da nossa sociedade, observadas as particularidades da nossa história e do período histórico em que estamos inseridos. A mídia, as classes políticas, os juristas, são partes deste sistema seletivo que se encerra na figura do policial.

Portanto, resumidamente, nossos preconceitos sociais historicamente construídos e constantemente reafirmados decidem, por nós mesmos, o que é crime. O poder judiciário, legislativo e executivo; os juízes, promotores e advogados; as policiais militares e civis; os agentes penitenciários; os jornais, os radialistas, as emissoras; as universidades; etc., apenas executam este script.